“Sempre
que faço uma desinfecção, penso que podia ser um parente”
Maria Berenice da Silva tem 39 anos e em 12 deles trabalha como auxiliar de
limpeza hospitalar no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), em Vila
Isabel, na zona norte do Rio. Em toda a sua vida profissional sempre procurou
fazer o serviço pensando que a pessoa atendida podia ser de sua família. Ficar
na linha de frente no combate à pandemia de covid-19 significou ver de perto o
sofrimento das pessoas, e aí o cuidado com a limpeza aumentou.
“Já lidei com CTI pediátrico de emergência, CTI coronariano, CTI adulto, mas
nunca passei por essa situação de um vírus invisível fazer tudo que fez em
pouco tempo. Por mais que a gente tome cuidado de fazer o procedimento normal,
agora dobrou com relação à atenção”, disse Maria Berenice em entrevista à Agência
Brasil. “Sempre que estou fazendo uma desinfecção, penso
que poderia ser um familiar meu”.
A auxiliar de limpeza contou que no começo da pandemia, a situação foi muito
tensa. Atualmente, até ficou um pouco mais calma com a redução dos casos, mas,
ainda assim, tudo inspira cuidado. “Agora deu uma acalmada, a situação
amenizou, mas no começo da pandemia foi tudo muito difícil. Um serviço muito
cauteloso e com muito cuidado que fazemos. É paciente que entra, paciente que
sai. Os profissionais da saúde também estão com a gente”.
O drama dos pacientes e das famílias que passou a assistir ao acompanhar
quadros no hospital chegou bem perto. Em maio, depois de três dias sem paladar,
sem olfato, com febre e falta de ar, fez o teste e deu positivo. Maria Berenice
ficou 18 dias afastada do trabalho. “Tudo muito novo, você se põe no lugar da
pessoa que estava ali hospitalizada e teve que passar pelo processo de
intubação. Graças a Deus não passei por isso, mas tive todos os sintomas”,
afirmou.
“Teve um fim de semana em que passei tão mal que achei que naquele dia não
voltaria mais. Dor no corpo, dor no pulmão, queria respirar, fiquei com o rosto
de frente para o ventilador, com falta de ar. Foi um desespero”.
A profissional não ficou internada em hospital, mas precisou fazer
isolamento em casa, período que passou na companhia dos filhos Gabriel, de 22
anos, e David Juan, de 20 anos. Se pôde ficar ao lado deles, isso trouxe também
muita preocupação de que fossem infectados. “Sempre pedia que não ficassem
muito próximos a mim, porque o medo era contaminar meus filhos. Evitei qualquer
tipo de aproximação com colegas, porque perdi várias pessoas conhecidas também
e foi tudo muito complicado. Até você entender que tudo aquilo que estava
acontecendo chegou até você também e se colocar novamente no lugar das outras
pessoas, é muito difícil”, revelou.
Outro momento difícil foi ver o olhar de medo do filho Gabriel
de perder a mãe. “Eu chorava horrores quando meu filho saía de perto de
mim. Eu vi o medo dele de me perder naquele momento. As pessoas conhecidas que
a gente perdeu eram pai, mãe e colegas dele. Quando aconteceu na minha casa,
eles ficaram muito assustados. Os meus filhos ficaram praticamente isolados
comigo. Evitaram ir para a rua. Eles são jovens, mas o medo que tinham era o de
perder a mãe. Quando testei positivo, o desespero foi maior”, contou.
Aglomeração
Quem teve a doença, sente muita tristeza ao ver tantas pessoas que não
dão a devida importância ao novo coronavírus se aglomerar nas ruas, não
usar máscara, nem álcool em gel e não pensar no próximo. “É um sentimento de
tristeza e, ao mesmo tempo, de perceber que não valorizam o nosso trabalho.
Muitos não estão ligando, porque acham que isso não
acontece dentro da sua casa. Esse sentimento a gente tem porque enquanto
está ali se dedicando, tem gente lá fora não dando a mínima. Até que acontece
dentro de casa, para entender que esse vírus não é brincadeira. Foi
preciso perder a pessoa do seu lado para saber o quanto é séria a situação”,
observou.
Vacina
Maria Berenice, que há mais de uma década está acostumada a higienizar
unidades de terapia intensiva de diversas especialidades, espera o surgimento
de uma vacina contra a covid-19, com a certeza de que, a partir da pandemia, a
vida não será mais a mesma para ninguém. As medidas de proteção vão ter de continuar,
ainda que a contaminação tenha diminuído. “Esse nosso costume de usar máscara e
álcool em gel vai ficar para sempre. A vacina pode ser positiva, mas antes
da vacina não acredito muito não”.
Alívio
Para Fabiano Paulino de Souza Nunes, de 44 anos, colega de Maria Berenice há
dois anos e seis meses, foi radical a mudança no trabalho antes e após o
surgimento da pandemia. Embora não tenha se infectado, apesar de terem
aparecido alguns sintomas, como febre, dor de cabeça e tosse, o sentimento de
estar diante de uma doença desconhecida causa temor, principalmente porque
mora com a mulher Carla e os três filhos, João Vitor de 17 anos, Kauan, de 13,
e Rebeca, de 6 anos. “Quando veio o resultado foi um alívio. Ninguém quer pegar
isso na verdade. Ninguém sabe o que pode acontecer, como a doença se
comporta no nosso corpo”, afirmou.
Fabiano lembrou que a sua categoria é essencial, como os médicos e
enfermeiros, no combate ao novo coronavírus. O trabalho, que já era conjunto,
se transformou em união desses profissionais. “Sentimento agora de total união,
temos que estar mais próximos. Tanto médicos, quanto enfermeiros, a gente da
limpeza é que entra primeiro quando ocorre algum óbito. A gente está
diretamente junto”.
Mortes
De acordo com o auxiliar de limpeza, é muito difícil acompanhar a evolução
de um paciente que não resiste ao vírus e morre. “Quando a gente vê um paciente
morrendo, pensa logo nos nossos familiares, nossos amigos e no próximo. É muito
difícil. É choque para nós. A verdade é que a gente faz de tudo para salvar
essas vidas. Tem que fazer a higienização total do ambiente”.
Empresa
A empresa de limpeza hospitalar Mais Verde, em que Maria Berenice e Fabiano
são contratados, informou que o trabalho diário é acompanhado por supervisores
que organizam as tarefas, tiram dúvidas e conversam com os auxiliares sobre os
procedimentos que devem ser seguidos e sobre suas demandas pessoais. Os
profissionais também têm equipamentos de proteção e a assistência diária de um
técnico de segurança do trabalho e de um enfermeiro especializado em
desinfecção hospitalar, que também acompanha o quadro de saúde dos
funcionários.
“Os funcionários seguem as diretrizes de ação da Coordenadoria de Controle
de Infecção Hospitalar do próprio hospital, que determinam como a limpeza deve
ser feita, os produtos a serem usados, entre outros aspectos”, completou a
empresa.
Com o início da pandemia, os profissionais fizeram treinamento específico
para o trabalho na linha de frente. “Tivemos que reforçar o uso de EPI, os cuidados
com os uniformes, o protocolo a seguir quando chegam e quando saem do hospital.
Antes da pandemia, por exemplo, o uso do capote não era obrigatório para todos
os funcionários em todos os setores do hospital, e agora passou a ser”,
explicou.
No caso de empregados infectados, a orientação, após a avaliação da médica
que faz o atendimento inicial, dependendo da gravidade, é ficar em casa. O
afastamento dos profissionais levou a empresa a fazer remanejamento de equipes
reservas e providenciar novas contratações. “Tivemos casos de pessoas que
desistiram do trabalho ao saber que atuariam em hospitais, pelo receio de se
contaminar, completou a empresa que tem cerca de 370 funcionários no Hupe e em
outras unidades de saúde do Rio.
Recomendações
O conselheiro Técnico da Associação Brasileira do Mercado de Limpeza
Profissional (Abralimp), Alessandro Fernandes Araújo, disse que a entidade
recomendou ao setor as normas que deveriam ser seguidas pela categoria, uma
delas com relação aos equipamentos de proteção que devem ser usados. “O mais
importante neste momento não é só a paramentação, mas também a desparamentação,
que é tirar o uniforme. Isso pode ter um risco maior de contaminação
das pessoas. Por isso, intensificar treinamento é uma parte importante”, disse,
destacando que a pandemia causou surpresa e todos os processos de segurança dos
profissionais foram intensificados conforme os padrões da Organização Mundial
da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Araújo acrescentou que todos os profissionais foram orientados a informar
quando notassem alguma possibilidade de contaminação. “Hoje, estamos cada vez
mais especialistas em higienização, em desinfecção. Isso vai ficar
pós-pandemia”, completou.
A Abralimp informou que é a única entidade que representa toda a cadeia
produtiva do setor de limpeza profissional, formada por fabricantes e
distribuidores de máquinas, equipamentos, químicos, descartáveis e EPI, além
dos prestadores de serviços especializados de limpeza profissional.
A associação tem mais de 230 associados e representatividade nacional. O
mercado de limpeza profissional movimenta atualmente mais de R$ 18 bilhões ao
ano e gera mais de 760 mil empregos.
Edição: Graça Adjuto
Publicado em 05/08/2020 – 06:34 Por Cristina
Índio do Brasil – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro