Alerta é
feito por Nancy Bellei, da Universidade Federal de São Paulo.
Três vacinas estão com testes em andamento no Brasil atualmente, após
aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a
realização de estudos. Todas estão em fase avançada de testes, na chamada
pesquisa clínica, ou seja, aplicação em humanos. São elas a vacina
desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca, com
testes feitos pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); a
Coronavac, parceria firmada entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês
Sinovac Biotech; e a do laboratório Pfizer.
O desenvolvimento de uma vacina ocorre em etapas. A primeira é a
laboratorial, onde é feita a avaliação de qual a melhor composição para o
produto. A segunda etapa, chamada de pré-clínica, é a de testes em
animais. A terceira é a fase clínica, de testes em humanos. Se os testes forem
satisfatórios, a vacina é submetida ao registro na agência regulatória. Mesmo
após o registro, a vacina é monitorada no pós-mercado pela Anvisa.
Apesar de haver três opções de vacina em teste no país, a infectologista Nancy
Bellei, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), alerta que tomar mais
de um tipo não significa que a pessoa ficará mais protegida contra a covid-19.
“A pessoa vai tomar uma vacina, vamos aguardar os estudos e ver depois se
há uma vacina melhor que a outra. A pessoa toma uma vacina só, não tem
nenhuma que a gente recomenda tomar uma e outra. Ninguém sabe isso ainda
sobre a vacina contra covid-19 e pode ser até pior.”
Nancy explica que há dois cenários considerados para os resultados das
vacinas: o funcionamento delas por um período de tempo em médio prazo, em que
funcionariam de forma semelhante à produção de anticorpos que se tem visto nas
pessoas infectadas pela doença. O outro seria um resultado em longo
prazo, ou seja, quanto essas vacinas vão ter um papel de estimular a
imunidade celular – considerada permanente, assim como ocorre em doenças como o
sarampo.
“A saída, em médio prazo, parece que é possível, porque essas vacinas
induzem produção de anticorpo e aí boa parte das pessoas vacinadas estaria protegida,
você diminui a cadeia de transmissão. Em longo prazo, o ideal é que essas
vacinas pudessem ativar a imunidade celular, que seria a imunidade de memória,
porque os títulos de anticorpos – quantidade presente – na infecção natural
eles caem, então a gente precisa ter imunidade celular”, disse.
Segundo a médica, o que se conhece até o momento é que as pessoas que têm a
infecção por covid-19 vão perdendo os anticorpos. “Há estudos mostrando
que, em torno de 100 dias, perdemos o nível de anticorpos, só que não
sabemos o quanto resta de imunidade celular que permite responder à nova
infecção se a gente encontrar o vírus dali a algum tempo. Nós não sabemos isso
ainda”, disse ao ressaltar que é uma doença nova e que houve pouco tempo para
se desenvolver estudos.
“Quem já teve infecção, a gente não sabe se vai ter uma proteção
em longo prazo, então muito menos ainda conseguimos antever se as vacinas
vão ter esse papel e, se tiverem, por quanto tempo. Porque se elas
não tiverem, vai ser como uma vacina de gripe, que você tem que dar toda hora
de novo”.
Imunidade celular x anticorpos
Nancy Bellei afirma que se as vacinas não tiverem a competência de
ativar a imunidade celular, o problema não será resolvido em longo prazo.
“É totalmente diferente, imunidade celular não é anticorpo, ela é a memória
imunitária que a gente faz com algumas doenças: sarampo, caxumba, rubéola,
catapora, que nunca mais a gente pega porque tem imunidade. Eu não sei o quanto
essas vacinas vão estimular a imunidade celular para que a gente, se
encontrar o vírus novamente, mesmo sem ter anticorpo, rapidamente o
produza”.
De acordo com a infectologista, houve prova de imunidade celular em algumas
vacinas, mas não se sabe na prática o quanto isso será aplicado.
“Há alguns estudos com essas vacinas, mas não permitem dizer isso na
prática, só depois de aplicar e ter os estudos”.
Ela explica que a imunidade celular é resultado da ação de defesa de células
que são ativadas quando chega um organismo estranho no corpo da pessoa. “É
diferente da imunidade humoral, que são os anticorpos. Eles estão na
circulação, independentemente de serem ativados. A imunidade celular é mais
permanente, mais definitiva, e a imunidade humoral é definitiva se eu tenho
imunidade celular. Se não, ela é transitória.”
CoronaVac
A vacina chamada de CoronaVac está em fase adiantada de testes, na
terceira etapa, chamada clínica, de testagem em humanos. Na produção da
CoronaVac, o novo coronavírus é introduzido em uma célula do tipo
Vero, cultivada em laboratório. O vírus se multiplica e, no final, é
inativado e incorporado à vacina que será aplicada na população.
Com a aplicação da dose, o sistema imunológico passaria a produzir anticorpos
contra o agente causador da covid-19.
O anúncio de produção da vacina pelo governo de São Paulo ocorreu
em 11 de junho, após parceria firmada entre o Instituto Butantã e o
laboratório chinês Sinovac Biotech. O investimento do Instituto
Butantã nos estudos, na fase clínica, é de R$ 85 milhões.
“Nessa vacina, você vai ter todos os componentes do vírus. Então
alguns advogam que com uma vacina desse tipo, haveria mais chance de ela ser
mais imunogênica [maior capacidade de estimular uma resposta imunológica], já
que você está oferecendo grande quantidade de proteínas diferentes que
podem estimular o sistema imune”, disse a Nancy Bellei.
Ela acrescenta que as vacinas com vírus inteiros normalmente são mais
reatogências, ou seja, causam mais reação. “Então, existe sempre essa
discussão: você quer uma vacina que seja muito imunogênica, mas não quer que
seja muito reatogência”. Segundo a médica, isso é o que ocorre em geral
com vacinas desse tipo, e é preciso aguardar os resultados dos testes.
A terceira etapa – os testes em humanos – é dividida em três fases. As fases
1 (inicial, que avalia se a vacina é segura) e 2 (que conta com maior
quantidade de voluntários e avalia a eficácia do produto) já foram
executadas na China, com sucesso. A Fase 3 dessa terceira etapa está sendo
realizada no Brasil, com 9 mil voluntários de todo o país, e foi iniciada em
São Paulo.
Caso os testes com esses 9 mil voluntários, na Fase 3, se mostrem positivos,
a vacina entrará na etapa de registro na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária e então começará a ser produzida em larga escala. A expectativa do
Instituto Butantã é de que a vacina poderá estar disponível para a
população em junho de 2021, com fornecimento ao SUS, o Sistema Único da Saúde,
de forma gratuita.
O Butantã tem capacidade de produzir 1 milhão de vacinas por dia. As
primeiras pessoas a serem vacinadas no Brasil devem ser aquelas dos grupos de
maior risco, como idosos e/ou com comorbidades, ou seja, doenças
pré-existentes.
Oxford
Desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca,
essa vacina usa um vetor viral – baseado em um vírus modificado – que
atinge chimpanzés, mas não humanos, ao qual é acrescida uma proteína que o
novo coronavírus usa para invadir células, para induzir a produção de
anticorpos — em vez de um vírus inativado. A vacina já está na Fase 3 dos
ensaios clínicos, a última etapa de testes em seres humanos para determinar a
segurança e eficácia.
Segundo Nancy, existem inúmeros trabalhos que determinam que a porção do
vírus que estimula os anticorpos neutralizantes é a da proteína Spike – usada
para penetrar nas células. “Para o vírus entrar na célula, ele tem que se ligar
em um determinado ponto, que está na proteína S [Spike]. Vacinas que trabalham
com a indução de proteína S, por meio de RNA mensageiro ou com o vetor de
adenovírus – carreando um pedaço genético dessa proteína -, estimulariam
diretamente a nossa produção de anticorpo neutralizante, que evitaria que o
vírus se ligasse ao receptor.”
A infectologista afirma que, dessa forma, as vacinas seriam menos
reatogênicas – causariam menos reações -, mas seriam mais específicas. “Se
eventualmente o vírus tiver uma mutação nessa região da proteína Spike, no
futuro uma vacina desse tipo teria que ser modificada, porque não mais
reconheceríamos o vírus, por se tratar de uma região muito específica”,
disse.
Para a realização do estudo clínico da vacina, foi firmado acordo entre a
Universidade de Oxford e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em São
Paulo, com a viabilização financeira da Fundação Lemann no custeio da
infraestrutura médica e de equipamentos necessários, os testes tiveram início
em 20 de junho. Em pouco mais de um mês, cerca de 1,7
mil voluntários, de um total de 2 mil a serem recrutados na capital
paulista, já foram selecionados e tomaram a vacina.
Segundo a Unifesp, o recrutamento continua e os voluntários estão sendo
acompanhados de perto para que os pesquisadores monitorem a saúde deles, assim
como segurança e eficácia da vacina. No Rio de Janeiro, serão 2
mil testados e, em Salvador, mais mil voluntários recrutados.
A expectativa é de que a vacina tenha seu dossiê de registro
apresentado à Anvisa ainda neste ano. A partir daí, as doses produzidas
serão disponibilizadas ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério
da Saúde, para serem aplicadas na população.
Pfizer
No fim de julho, a Pfizer e a BioNTech anunciaram a escolha do Brasil
como um dos locais para a fase clínica de seu programa de vacina à base de RNA
mensageiro, o Projeto Lightspeed, contra o novo coronavírus. A Fase 2 dos
testes clínicos – em humanos – está sendo conduzido em São Paulo,
no Centro Paulista de Investigação Clínica, e na Bahia, na Instituição
Obras Sociais Irmã Dulce.
As pesquisas baseiam-se em potenciais vacinas de RNA mensageiro (mRNA),
produzido sinteticamente, que tem como objetivo estimular a produção de uma
proteína semelhante ou idêntica à do vírus no organismo. Essa proteína deve ser
capaz de estimular o sistema imune a produzir células de defesa, fazendo com
que, quando a pessoa entrar em contato com o vírus, já tenha desenvolvido
imunidade.
“Esse tipo de vacina a gente nunca utilizou. Nessa [vacina] de RNA
mensageiro, haveria uma indução de a gente produzir essa proteína e aí o nosso
sistema de anticorpos a reconheceria. Então a gente teria uma proteção. Mas
essa é a vacina mais diferente de todas, é uma plataforma de vacina que nunca
foi utilizada, então é mais difícil ainda antecipar vantagens e desvantagens”,
disse a infectologista.
Nancy explica que essa vacina se assemelha à de Oxford porque trabalha com a
indução de proteína, por meio de RNA mensageiro, e a outra pelo vetor de
adenovírus. Ela avalia que ambas têm potencial para serem menos reatogênicas.
Segundo a Pfizer, diferentemente das vacinas convencionais, as vacinas de
mRNA são potencialmente mais rápidas de serem produzidas. A expectativa é
apresentar em outubro os resultados dos estudos para autoridades regulatórias
de todo o mundo e, a partir daí, elas avaliarão como será feita a distribuição.
A meta é produzir 100 milhões de doses neste ano e mais 1,3 bilhão em 2021.
Quarta vacina
O governo do Paraná firmou parceria de cooperação técnica e científica com a
China para iniciar a testagem e a produção de outra vacina contra a covid-19 no
estado, por meio do Instituto de Tecnologia (Tecpar). O termo de
confidencialidade assinado com a empresa estatal chinesa Sinopharm
possibilitará a realização da terceira fase de testes – aplicação em humanos –
no Paraná. A expectativa é que o processo possa começar ainda
neste mês de agosto.
O tipo de vacina a ser testado é a inativada e o prazo de fornecimento, caso
os testes clínicos apresentem resultados satisfatórios, está previsto para o
segundo semestre de 2021.
Governo federal
O governo federal assinou, na última quinta-feira (6), a medida
provisória (MP) que abre crédito extraordinário de R$ 1,9 bilhão para viabilizar a
produção e aquisição da vacina após a conclusão dos testes e registro na
Anvisa. A transferência de tecnologia na formulação, envase e controle de
qualidade da vacina será realizada por meio de um acordo da AstraZeneca com a
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde.
De acordo com o governo, embora seja baseada em nova tecnologia, essa
plataforma já foi testada anteriormente para outras doenças, como, por exemplo,
nos surtos de ebola e Mers (síndrome respiratória do Oriente Médio,
causada por outro tipo de coronavírus) e é semelhante a outras plataformas da
Bio-Manguinhos/Fiocruz, o que facilita sua implantação em tempo reduzido.
Além disso, a Fiocruz recebeu R$ 100 milhões, em doação de um grupo de
empresas, para investir no aprimoramento de suas instalações que serão usadas
na produção da vacina da covid-19. A primeira etapa de adequação inclui a
construção de um laboratório para controle de qualidade de 100 milhões de doses
importadas da AstraZeneca, a partir de dezembro. A previsão é que a
fábrica esteja totalmente concluída no início de 2021, quando será possível a
incorporação total da tecnologia pelo Brasil e a realização de todo o processo
de produção da vacina no local.
“A Fundação Lemann articulou a vinda dos testes da vacina de Oxford ao
Brasil e financiou parte dos testes por entender a importância de o
país ter acesso à vacina. Agora participa também da doação para a
montagem da fábrica que possibilita a autonomia na produção. São passos
importantes para garantir resposta ao enfrentamento da covid-19 e para oferecer
à sociedade brasileira um legado público na área da saúde que irá beneficiar
todo o país nesse e em outros desafios”, disse Denis Mizne, diretor executivo
da Fundação Lemann.
Parte das instituições dessa coalizão também apoiará a construção de uma
fábrica similar no Instituto Butantã, em São Paulo, que está testando a
CoronaVac.
Edição: Graça Adjuto
Publicado em 11/08/2020 – 09:00 Por Camila
Boehm – Repórter da Agência Brasil – São Paulo