Doença
decorre de agressão ao músculo cardíaco, por inflamação.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) iniciou estudo inédito para a
criação de um registro nacional sobre a síndrome de Takotsubo, também conhecida
como síndrome do coração partido. Serão avaliados pacientes que tiveram essa
doença antes e durante a pandemia do novo coronavírus.
O presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca e coordenador da
Universidade do Coração da SBC, Evandro Tinoco Mesquita, disse à Agência
Brasil que a síndrome é decorrente de uma agressão ao músculo
do coração, que ocorre de forma direta ou indireta, por meio da inflamação
do órgão. É um problema raro, que provoca sintomas semelhantes aos de um
infarto, como dor no peito, falta de ar ou cansaço, que podem surgir em
períodos de estresse emocional intenso. A síndrome, definida ainda como
cardiomiopatia por estresse, tem perfil desconhecido no país e foi
descrita pela primeira vez no Japão, em 1990.
“As pessoas podem ter um dano temporário do coração e isso,
particularmente, acomete as mulheres no período da menopausa. Acomete mais
frequentemente, em quase 90% dos casos, pessoas ao redor de 65 a 70 anos de
idade. E, ocasionalmente, pode gerar uma repetição. Ou seja, a
pessoa ter mais de uma vez”. De uma forma muito grave, a doença pode
levar a um quadro de falência do coração, um edema de pulmão, ou a um quadro de
arritmia, e levar à morte súbita.
O cardiologista argumentou que o novo coronavírus promove uma inflamação
sistêmica que afeta o coração. Também o estresse provocado pelo vírus pode
tornar pacientes internados mais vulneráveis a isso. Na avaliação do
coordenador da Universidade do Coração da SBC, a radiografia, que será feita pela
entidade, é importante porque revelará forma e fatores estressores variados que
podem provocar a síndrome do coração partido nas diferentes regiões do país.
O registro vai apurar também o resultado da qualidade do atendimento, a
mortalidade que pode ser diferente, bem como a taxa de recorrência. “A
radiografia vai nos ajudar a identificar quais são os diferentes tipos de
indivíduos mais acometidos, melhorar o grau de alerta e o cuidado, se for
observada alguma discrepância de resultados na qualidade do atendimento
inicial”, afirmou.
A partir disso, será possível identificar fatores de possível intervenção,
“ou seja, como a gente pode estar protegendo ou desenvolvendo estratégias, com
novas pesquisas, para amenizar esse impacto”. Tinoco informou que a síndrome
vem sendo descrita há poucas décadas. O registro nacional será o primeiro texto
no Brasil e um dos pioneiros na América Latina. Ele servirá para gerar dados
que permitirão traçar estratégias comportamentais para ajudar na prevenção da
doença.
Estados Unidos
Evandro Tinoco Mesquita citou pesquisa feita por médicos da Cleveland
Clinic, em Ohio, nos Estados Unidos, que descobriram um aumento da incidência
de Takotsubo durante a pandemia de covid-19. “Eles perceberam um aumento de
casos em pessoas sem covid”. Mesquita estimou que no Brasil, em função do
estresse emocional, os determinantes psicossocioeconômicos da saúde podem, de
alguma maneira, explicar o aumento da doença em pessoas que não tiveram a
covid.
De acordo com a SBC, em dois hospitais do sistema de saúde americano, os
diagnósticos de cardiomiopatia por estresse aumentaram durante março e abril, e
a doença foi diagnosticada em 7,8% dos pacientes que chegaram ao pronto-socorro
da instituição com dor no peito e outros possíveis sintomas cardíacos. Isso foi
quatro a cinco vezes maior do que as taxas observadas nos períodos
pré-pandêmicos, que oscilavam entre 1,5% e 1,8%, segundo o estudo publicado
este mês, na revista médica JAMA Network Open.
Foram analisados 1.914 pacientes, por cinco períodos, distintos ao longo dos
dois meses, incluindo uma amostra de mais de 250 pacientes hospitalizados
durante o pico inicial da pandemia. A média de idade da incidência da síndrome
foi de 67 anos, majoritariamente em homens, contrariando os dados estatísticos
que dizem que o maior acometimento da doença é em mulheres no período
pós-menopausa. Embora a covid-19 possa levar a complicações cardíacas, nenhum
dos pacientes diagnosticados com Takotsubo, descritos no artigo americano,
apresentou resultado positivo para a infecção.
Participação
Até o momento, 32 centros que atendem a pacientes com problemas cardíacos em
todo o Brasil estão cadastrados na plataforma de banco de dados organizado pela
SBC, por meio do Departamento de Insuficiência Cardíaca e do Grupo de Estudos
de Cardiomiopatias da entidade. A estimativa é ter, ao fim do
registro, os dados analisados de mais de 400 pacientes, o que representará um
dos maiores arquivos mundiais sobre a síndrome feito por um único país.
Os resultados preliminares desse registro nacional serão apresentados
durante o Congresso Brasileiro de Cardiologia, em novembro próximo. A
radiografia completa da síndrome tem previsão de conclusão em 2021. Serão
levantados dados dos pacientes não só na fase aguda, mas como eles se comportam
depois, para ver se há recorrência.
Tinoco destacou a importância de a pesquisa abranger esse período de
pandemia. Serão acompanhados pacientes que tiveram a síndrome antes, durante e
depois da pandemia, e que foram ou não acometidos de covid-19. “Serão dados interessantes
capturados nesse período”, estimou.
Socerj
Atualmente, o único levantamento disponível no Brasil sobre a doença é um
estudo feito pela Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de
Janeiro (Socerj) com 169 pacientes internados com diagnóstico de
Takotsubo, ou que desenvolveram essa condição durante a internação, entre
outubro de 2010 e o mesmo mês de 2017, em 12 hospitais fluminenses. Esse
levantamento será publicado em agosto nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia
da SBC. Os resultados mostram que a média dos pacientes acometidos pela
síndrome é de 71 anos, em sua maioria mulheres (90,5%), com prevalência de
dor torácica (63,3%) e histórico de estresse emocional considerável, registrado
em cerca de 40% dos casos.
Outro dado que reforça o objetivo do estudo iniciado pela SBC para conhecer
o perfil da síndrome é o fato de haver no Brasil 14 milhões de pessoas com
doenças cardiovasculares, que respondem por mais de 30% das mortes no país.
Segundo a SBC, são mais de 300 mil óbitos por ano, o que configura um problema
de saúde pública, agravado agora pela pandemia do novo coronavírus. Do total de
doentes cardiovasculares que chegam aos hospitais com suspeita de infarto,
entre 1% e 2% podem ter a síndrome do coração partido, admitiu
Mesquita.
Óbitos em casa
O médico alertou ainda que os portadores de doenças cardiovasculares e de
outras doenças agudas, que necessitam de acompanhamento médico, não devem
interromper seus tratamentos por receio de contaminação pela covid-19. Os
atendimentos cardiológicos de urgência caíram em todo o país durante a
pandemia, gerando aumento de mortes em casa por causas cardíacas.
Em parceria com a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil
(Arpen-Brasil), a SBC analisou, com o apoio de médicos e pesquisadores das
universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio de
Janeiro (UFRJ), os óbitos em domicílios por doenças cardiovasculares.
As informações, disponíveis no Portal da
Transparência, mostram aumento de 31,82% no número de óbitos em domicílio,
por doenças cardiovasculares, incluindo acidente vascular cerebral (AVC),
infarto e doenças cardiovasculares inespecíficas, como a parada
cardiorrespiratória e a morte súbita, que pode ser ocasionada pela síndrome do
coração partido. Esse aumento ocorreu entre 16 de março, quando foi
registrada a primeira morte por covid-19, até o fim de junho passado.
Foram registradas 23.342 mortes nos meses de pandemia, enquanto no ano passado,
no mesmo período, foram 17.707.
Edição: Graça Adjuto
Publicado em 24/07/2020 – 05:53 Por Alana
Gandra – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro