Jornalista italiano mostra em livro como os algoritmos na internet impulsionam o medo e o terrorismo psicológico por meio dos buscadores de informação e redes sociais.

Jornalista italiano mostra em livro como os algoritmos na internet impulsionam o medo e o terrorismo psicológico por meio dos buscadores de informação e redes sociais. Analisamos também sobre política quântica e como gatos e cachorros estão diretamente ligados com manipulação no mundo digital.

Você decide fazer um experimento químico e coloca hidróxido de sódio, também conhecido como soda cáustica líquida num copo de Coca-Cola. A substância é altamente corrosiva e não demorará muito para a lata começar a derreter. O contato com a soda e o refrigerante também causará um efeito fervente. Provavelmente, para fazer esse experimento terá de ter uma luva apropriada, pois o risco de se queimar, é alto. Sequer ousará consumir a combinação, pois seria suicídio.

Não que as redes sociais tenha corrompido a forma como se faz política, elas alteraram de forma considerável os meios e as estratégias dos políticos e daqueles que organizam suas campanhas. Negar isso é como ignorar os efeitos do experimento da soda cáustica na lata de refrigerante. Os algoritmos e a manipulação de dados mudaram sistematicamente a forma de se fazer política. O futuro está na internet e o trabalho dos engenheiros de informação por trás das grandes campanhas deverão levar em conta essas mudanças.

Em termos simples, um algoritmo é uma sequência matemática lógica que define instruções que serão seguidas para executar uma tarefa, resolver um problema ou dar solução a algo. Por exemplo: Quando fazemos uma pesquisa no Google, há uma série de algoritmos que estão trabalhando para nos mostrar a resposta. E aqui começa a mágica das transformações atuais: os algoritmos das redes sociais e dos mecanismos de busca irão nos mostrar apenas aquilo que nos interessa. Exemplo: se nos interessamos mais por fotos e vídeos de gatinhos e bebês sorridentes interagindo com seus país, o Facebook irá entender isso e relacionam prioritariamente este tipo de conteúdo no feed de notícias, enquanto assuntos relacionados a geopolítica e a fome na África ou um ataque terrorista na Europa, ficarão em segundo plano, mesmo que sejam assuntos muito mais relevantes. O algoritmo de Mark Zuckerberg irá dar um jeito de continuar lhe mostrando vídeos fofinhos e ignorar uma manifestação política que está acontecendo na França, por exemplo.

E aí entram os estrategistas políticos e engenheiros da informação que o jornalista e professor italiano Giuliano da Empoli define em sua obra “Os Engenheiros do Caos – Como as Fake News, as Teorias da Conspiração e os Algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições” (Ed. Vestígio, 2019). Se estamos falando de um eleitor favorável a liberação das drogas, os profissionais da informação irão conseguir manipular os algoritmos para que ele tenha acesso apenas a um conteúdo que o agrade e reforce suas convicções pessoais, não importa se são informações verdadeiras ou falsas. O mesmo se dá com uma pessoa contrária à liberação de substâncias hoje consideradas ilícitas.

O reforço à uma possível bolha de notícias, é contínuo.  “No mundo, como dizia o ex-presidente do Google, Eric Schmidt, é cada vez mais raro conteúdos que não sejam feito sob medida. Os algoritmos da Apple, do Facebook ou do próprio Google fazem que cada um de nós recebam informações que nos interessam”, parafraseia o jornalista. E se uma teoria da conspiração reforça o que já estamos pré-dispostos a acreditar, provavelmente, pouco importará sua fonte, se é ou não uma verdade.

O futuro e a política quântica

Da Empoli traça na conclusão de seu livro que estamos na “Era da Política Quântica”. “A física quântica é salpicada de paradoxos e de fenômenos que desafiam as leis da racionalidade científica. Ela nos revela um mundo no qual nada é estável e onde uma realidade objetiva não pode existir – porque, inevitavelmente, cada observador a modifica na perspectiva de seu ponto de vista pessoal. Nessa dimensão, as interações são as propriedades mais importantes de cada objetivo, e de diversas verdades contraditórias podem existir sem que uma invalide a outra”.

Na era da política quântica, os engenheiros da informação podem dar a impressão que a não exista uma realidade objetiva. Cada assunto se definirá, provisoriamente, em relação a uma outra, “e, sobretudo cada observador determina sua própria realidade”, pontua Da Empoli. “Assim, na política quântica, a versão do mundo que cada um de nós vê é literalmente invisível aos olhos dos outros”. Interessante, não? Dessa forma, estamos propensos a acreditar em Pavões Misteriosos, dar vazão a uma possível Terra-Plana e até mesmo uma possível mentira por trás do atentado ao então deputado federal e futuro presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro e as suas mais diversas teorias, seja difundidas por militantes à esquerda ou à direita. “Cada um marcha dentro de sua própria bolha, no interior de qual certas vozes se fazem ouvir mais do que outras e alguns fatos existem mais do que os outros”, explica.

Perturbador ou não, já na introdução de seu livro, Empoli já nos diz: “se o algoritmo das redes sociais é programado para oferecer ao usuário qualquer conteúdo capaz de atraí-lo à plataforma com maior frequência e por mais tempo, o algoritmo dos engenheiros do caos os força a sustentar não importa que posição, razoável ou absurda, realista ou intergaláctica, desde que ela intercepte as aspirações e os medos – principalmente os medos – dos eleitores”. Se o medo do eleitor é perder o emprego por conta de uma possível crise, uma notícia que apresente refugiados sendo contratados e colocados no mercado, pode apresentar uma ameaça, mesmo que aquele imigrante sequer apresente um risco em si, ao seu emprego. A posição generalista da comunicação tornará casos específicos em gerais, tomando grandes proporções a ponto de um nicho de pessoas dizerem: “Estrangeiros estão tomando o nosso emprego” por mais enganosa que essa afirmação possa ser e não havendo comprovação estatística.

E que bugalhos tem a ver gatinhos com manipulação na internet?

Talvez já tenha algum dia se questionado sobre o efeito que as redes sociais tem em sua vida. Em algum momento talvez tenha desejado dar um tempo no perfil do Facebook, desativando-o, talvez até permanentemente. É mais ou menos sobre isso que Jaron Lanier, um cientista da computação, pioneiro e criador de um dos primeiros produtos de realidade virtual, fala em “Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais” (Ed. Intrínseca, 2018).

E pra falar sobre redes sociais Lanier precisa falar sobre gatos. Bem, não é muito difícil que encontremos memes e vídeos fofos sobre gatos na internet e nas redes sociais. Na maioria das vezes, gatos não são nada previsíveis, gerando os mais variados vídeos – engraçados e surpreendentes. Seu comportamento rende assunto porque costumam ser estranhos e ao mesmo tempo, peculiares. É difícil impor uma rotina de treinamento à eles. Por mais que dê para se criar gatos em casa é complicado domesticá-los.

Na contramão encontramos os cães: estes são criados para ser obedientes, aceitam ser treinados, são previsíveis à ponto de praticamente trabalharem para nós, humanos. Isso os torna leais e confiáveis.

Lanier traça um paralelo entre gatos e cachorros na introdução de sua obra. Diz que os gatos domesticaram a si mesmos. “Embora inteligentes, os gatos não são uma boa escolha para quem quer um animal que aceite o treinamento de maneira confiável. Basta assistir a um vídeo de circo de gatos na internet: o mais comovente é que fica claro que os animais estão decidindo se colocam em prática o truque que aprenderam, não fazem nada ou saem andando em direção à plateia.”

O autor lembra-nos que os gatos não se entregaram à criação do mundo moderno e não se renderam aos treinamentos para condicioná-los ao adestramento. Ninguém os dominará, mesmo os seus próprios donos. Ao contrário dos cachorros que tem respeito, admiração e chegam a temer seus criadores.

E nós? Quem somos nas redes sociais? Lernier faz uma analogia entre seres independentes ou controláveis quando estão manuseando os perfis nas mais variadas redes sociais da internet na vida.

Jaron nos indaga se estamos como um cachorro, condicionados ao algoritmo imposto pelos engenheiros de dados de Mark Zuckerberg e cia, ou se como gatos, levamos nossa vida independente do nosso comportamento digital. “Como permanecer independente em um mundo onde você está sob vigilância contínua e é constantemente estimulado por algoritmos operados por algumas das corporações mais ricas da história, cuja única forma de ganhar dinheiro é manipulando o seu comportamento? Como ser um gato, apesar disso tudo?”, questiona logo na introdução.

E é assim que os engenheiros do caos por trás do controle dos algoritmos querem a maioria dos usuários: cães manipuláveis prontos para atenderem os anseios de grandes corporações ou partidos políticos. Não basta mais vender um produto, o objetivo agora, é controlar hábitos que vão desde os costumes do dia-a-dia até o seu voto.

Estarmos cientes disso, não vai fazer com que apaguemos nossas contas no Facebook ou Instagram. O próprio Jaron explica que apesar do título alarmante do seu livro, “Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais” é mais um alerta do que uma ordem, obviamente. Serve para refletirmos e usarmos com mais parcimônia e cuidado a forma como utilizamos esse mundinho digital.

Publicado por Altair Tavares / por Domingos Ketelbey – 22/02/2020

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