Novo Sistema de Avaliação da Educação Básica será anual, diz Inep
A partir do ano que vem, estudantes do 1º ano do ensino médio de todas as escolas do país, públicas e privadas, farão a primeira prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) seriado. A nota, junto com o desempenho obtido posteriormente pelos estudantes no 2º e 3º ano, poderá ser usada para ingressar no ensino superior.
O exame foi criado esta semana pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A autarquia tornou o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) anual. A prova, que atualmente é aplicada de dois em dois anos a estudantes do 2º, 5º e 9º anos do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio, passará a ser feita por todos os estudantes do país, de todas as séries, a partir do 2º ano do ensino fundamental.
O novo Saeb, será implementado aos poucos. O 1º ano do ensino médio será o primeiro a ser incorporado, em 2021. O Inep pretende também usar os resultados do exame não apenas para verificar a qualidade das escolas, como é feito hoje, mas para possibilitar o ingresso em universidades. Por causa da nova função, o Saeb aplicado aos estudantes do ensino médio ganhará um nome, Enem seriado.
Nessa etapa, a prova será digital, feita em tablets, que serão distribuídos pelo Ministério da Educação. O conteúdo do Enem seriado deverá estar organizado de maneira semelhante ao Enem tradicional, em quatro áreas de conhecimento: matemática, linguagens, ciências da natureza e ciências humanas. Será usado o mesmo método de correção, chamado teoria de resposta ao item (TRI)
A Agência Brasil conversou com o presidente do Inep, Alexandre Lopes, sobre as mudanças que foram anunciadas e sobre como serão as novas provas. Segundo ele, como a avaliação vai ser implementada aos poucos, apenas em 2024 os estudantes que ingressarem no ano que vem no ensino médio poderão usar as notas para concorrer a vagas na universidade.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil: Por que o Inep decidiu tornar o Saeb
anual?
Alexandre Lopes: A gente quer mudar o enfoque, o objetivo
agora é chegar na escola. O Saeb anterior era avaliação de sistema, que ocorria
a cada dois anos. Só nos anos finais. Era uma coleta de informações. Agora,
queremos fazer essa avaliação, mas o nosso objetivo maior é dar informação ao
professor, à família, à escola, em tempo hábil, para que eles possam fazer as
intervenções pedagógicas mais rápido. A família vai saber que o filho fará a prova
todo ano e receberá o boletim, vai saber o que está acontecendo com o aluno e
poderá comparar o que está ocorrendo com o seu filho, com as demais escolas do
município e do Brasil inteiro. O que a gente quer? Que a família participe mais
do dia a dia da vida da escola.
O professor também [terá mais informações]. Ele vai saber como recebe o aluno e como entrega no fim do ano. Com isso, poderá fazer uma autoavaliação de como estão as aulas dele e procurar melhorar. Por isso, a gente precisa fazer a prova de todos os anos e para todos os alunos.
Esse é o objetivo da avaliação externa. Ter uma avaliação padronizada, comparada com outras escolas, outros estados e com o Brasil inteiro. Como a gente usa a TRI, as provas são comparáveis ano a ano, a escala é a mesma. O diretor vai saber se aquelas medidas que adotam na escola estão, ano a ano, melhorando. Em vez de ter de esperar os resultados, agora, todo ano, o professor terá uma avaliação dos seus alunos.
Agência Brasil: Hoje o Saeb avalia os conhecimentos em
português e matemática. Mais recentemente, foram aplicadas, em forma de
amostra, questões de ciências. O que será cobrado nessa nova prova?
Alexandre Lopes: Competências e habilidades. São as áreas de
conhecimento que estão previstas na BNCC [Base
Nacional Comum Curricular] A partir dessa base, vamos gerar as matrizes de
provas e produzir os itens. A gente quer aproximar o modelo de avaliação
daquilo que existe no exterior, como, por exemplo, o Pisa [Programa Internacional
de Avaliação de Estudantes]. Os itens do Pisa são mais sofisticados. Isso
é que queremos levar para a nossa avaliação. [Queremos] melhorar a qualidade
dos itens de prova que fazemos. Como a prova é digital [no ensino médio],
então, a gente vai poder começar a fazer itens mais sofisticados, para aferir
os conhecimentos dos alunos em relação às competências e habilidades que estão
previstas.
As provas serão por área de conhecimento, como no Enem, que tem ciências da natureza, ciências humanas, linguagens e matemática. Essa avaliação tem que ser utilizada por todos os professores, não somente de português e matemática. Tem que ser utilizada também pelos de química, física, história, geografia, etc [disciplinas], que compõem essas áreas do conhecimento.
Agência Brasil: Haverá metas de aprendizagem? Atualmente, o
Saeb é usado para calcular o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb), que é o mais importante indicador escolar de qualidade da educação.
Hoje, há metas previstas para esse índice. Como será com o novo Saeb?
Alexandre Lopes: O programa de metas termina em 2024. Ano que
vem é o último ano de aplicação do Saeb tradicional. É o momento da sociedade
repactuar as metas de ensino. O que estamos mostrando para a sociedade é que o
sistema de avaliação vai mudar. O que vai ser avaliado agora é diferente. É um
passo de cada vez. A partir da definição do modelo de avaliação, a gente vai
passar a discutir – e esse é um trabalho mais até do MEC, e talvez do Inep, junto
com a sociedade – uma repactuação com a sociedade. Onde queremos chegar nos
próximos dez, 20 anos? [Serão] novas metas, com o indicador que vai ser
revisitado.
Agência Brasil: Como será implementado o novo Saeb?
Alexandre Lopes: Ano que vem começa no 1º ano do ensino médio.
Em 2021, a gente vai ter a aplicação do Saeb tradicional, da maneira como já e
feito, no 2º ano, 5º ano e 9º ano do ensino fundamental e no 3º ano do ensino
médio, em papel, normal. Não vamos mudar isso. Vamos acrescentar o 1º ano do ensino
médio. No ano que vem, todos os alunos das escolas públicas e privadas do 1º
ano do ensino médio vão fazer o novo Saeb em tablet. Em meio digital.
A partir do momento que entra um ano, ele não sai mais, então em 2021 entra o 1º ano do ensino médio. Em 2022, 2023, 2024, etc, vai ter sempre aplicação para o 1º ano. Em 2022, entra o 2º ano e, em 2023, o 3º. Vamos também implementar [o novo Saeb] no ensino fundamental.
Temos um cronograma, mas por causa da substituição que houve no MEC, com a nova secretária de Educação Básica, Ilona Becskeházy, vou revalidar o cronograma para ver se ela está de acordo. Preciso conversar para saber se a ordem de implementação no ensino fundamental atende às necessidades da nova secretária.
Agência Brasil: Sabemos que nem todas as escolas possuem
tablets, como será o acesso à avaliação?
Alexandre Lopes: Nós vamos fornecer os equipamentos. O modelo
de aplicação não é um modelo do Enem, que o aluno vai em um fim de semana a um
local de prova e faz o exame. O modelo de aplicação é um modelo Saeb, que é o
mais barato que temos. Levamos o equipamento para a escola, o aluno faz prova
na própria escola ao longo de várias semanas. Então, o mesmo equipamento é
utilizado por vários alunos.
Agência Brasil: Em termos de números, vamos passar de quantos
alunos que fazem hoje o Saeb para quantos fazendo a nova avaliação?
Alexandre Lopes: Vão ser todos os alunos das escolas públicas
e privadas. Do 2º ano do fundamental ao 3º do médio, totalizando 35 milhões de
alunos. No ano passado, o Saeb foi aplicado para 6 milhões.
Agência Brasil: Para ampliar a avaliação serão necessárias
mais questões e, para isso, imagino, a publicação de editais para convocar
professores para a elaboração. Como o Inep está se organizando? Como fica
o orçamento da autarquia?
Alexandre Lopes: Para este ano, de 2020, não precisamos de
nenhum recurso adicional. O orçamento do Inep é suficiente para a execução das
atividades preparatórias do novo Saeb. Precisamos apenas para a aplicação da
prova no ano que vem. Então, vamos pedir orçamento para 2021. A gente vai
começar a conversar com o Ministério da Economia para, primeiro, reconhecer que
o quadro de servidores do Inep é formado de carreiras típicas de Estado.
Fazemos o Enem, calculamos o Ideb, fazemos o Censo, o Enade [Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes], avaliações in loco nas instituições de ensino
superior, nós fazemos publicações. As atividades do Inep são estratégicas,
cruciais para a educação brasileira. Segundo ponto, é preciso que a gente faça
concurso público para o Inep. Eu sei que é difícil, é demorado, mas a gente vai
começar a conversar com o Ministério da Economia sobre isso porque o que dá
base, o que dá continuidade a esse trabalho, são os servidores do Inep. Não dá
para fazer com servidores externos. Então, precisamos fazer um concurso.
Mas não é um trabalho para ser feito só com os servidores. Não preciso fazer um
concurso público grande, enorme, não é esse o objetivo. Nós vamos fazer, que a
lei permite, é trazer servidores dos estados e municípios, cedidos,
temporariamente, como prevê a legislação, com salário pago na origem, pelo ente
que está cedendo. Eles virão aqui construir junto com a gente esse novo Saeb.
Vamos capacitar esses professores na produção de itens, com a TRI, e eles vão
ajudar a produzir esses itens. Depois, voltam para seus estados e municípios
como multiplicadores do conhecimento que adquiriram aqui.
Agência Brasil: Esses professores serão, então, os
responsáveis pela elaboração de todos os itens?
Alexandre Lopes: Eles vão trabalhar junto com a nossa equipe,
sob supervisão dos servidores do Inep, na produção de itens, na logística de
aplicação, nos vários serviços que compõem a elaboração do novo Saeb.
Agência Brasil: Quanto precisará ser investido?
Alexandre Lopes: O custo estimado para a realização dessa
prova no 1º ano do ensino médio é de R$ 300 milhões. Mas é importante entender
que o custo é decrescente no tempo. Por que isso? Vamos aplicar em 2021 para os
2,7 milhões de alunos que existem no 1º ano do ensino médio. Em 2022, quando
formos aplicar para o 2º ano, não serão R$ 600 milhões porque já estarei com os
equipamentos na escola, com aplicadores na escola. Não vou precisar dobrar a
quantidade de equipamentos.
Depois que implementar do 2º do fundamental ao 3º do médio e tiver todos os equipamentos, o custo passa a ser só de manutenção e reposição. O custo passa a ser de aplicação, não tem mais investimento. Nesses anos de implementação, há custo de investimento, de garantia de equipamentos. O custo é decrescente, começa mais alto porque há investimento, e depois é decrescente. Há aproveitamento de equipamentos e pessoal.
Agência Brasil: Em relação ao ensino médio, como o Enem
seriado vai ser usado para o ingresso no ensino superior?
Alexandre Lopes: O Enem seriado é a prova do Saeb aplicada no
ensino médio. Não é uma prova a mais. Com o resultado do 1º, 2º e 3º ano, vamos
construir uma nota, uma proficiência. Com essa nota, o aluno vai se candidatar
a instituições de ensino superior. São vagas diferentes. A nota não vai ser
comparada à nota do Enem. Você terá um percentual de vagas reservado para o
Enem tradicional e um percentual para o Enem seriado. Será mais uma opção de
acesso à faculdade. Esse processo de avaliação seriada existe em alguns
lugares, como Brasília [como forma de ingresso na Universidade de Brasília
(UnB)] e Pernambuco [na Universidade de Pernambuco (UPE)]. Mas, isso não está
disponível para todos os alunos do país. Com o Enem seriado, estamos levando
essa possibilidade de o jovem usar notas do 1º, 2º e 3º ano para todo o Brasil.
Esse é o diferencial. É uma forma de inclusão, é algo a mais.
Agência Brasil: Quando o Enem seriado começa a valer para
ingressar no ensino superior?
Alexandre Lopes: [O Enem seriado] começa no ano que vem, esses
alunos vão concorrer a vaga nas universidades em 2024. Farão as provas no 1º,
2º e 3º anos, receberão um conceito e, com ele, vão concorrer a vagas. Como a
prova é feita no fim do ano, eles farão em 2023 e concorrerão [a vagas em
universidades] em 2024. Se tiverem um bom conceito poderão entrar direto na
faculdade. Podem também fazer o Enem. O Enem [tradicional] permanece, não
existe previsão de acabar com o Enem.
Agência Brasil: Uma das discussões em relação a qualquer
tipo de avaliação em educação é o que de fato ela é capaz de medir e de que
forma influencia no que é ensinado em sala de aula. Isso porque, uma vez que
todos os alunos fazem uma prova no fim do ano e essa prova serve para medir o
aprendizado, as escolas tendem a ensinar os estudantes a fazer essa avaliação.
O conteúdo todo se volta para a prova. Como o Inep vê essa questão?
Alexandre Lopes: A gente só conhece aquilo que sabe medir. O
que a gente não mede, não conhece. Existe hoje um desconhecimento muito grande,
principalmente por parte da família, do que acontece na escola, então, o que
estamos fazendo é levando informações e conhecimento para propiciar maior
interação entre a família e a escola. Estamos levando uma informação para o
professor, para o diretor, oferecendo informação. Estamos oferecendo uma coisa
que muitas pessoas querem e não têm – um conjunto de informações que poderá
ajudar na aula, ajudar os diretores. Eu acredito no aspecto positivo da
avaliação externa. Entendo, conheço esses posicionamentos, mas acho que, para o
Brasil de hoje, é importante que se conheça um pouco mais a realidade das
escolas para que as medidas, as intervenções pedagógicas, sejam realmente
eficientes. Acho que é importante ter esse papel da avaliação externa. Pode ser
que daqui a 20, 30 anos, essa realidade seja diferente. Para o Brasil de hoje,
nós entendemos que é
importante.
Edição: Bruna Saniele