quinta-feira, novembro 21, 2024

Arquivo. A Praça Central e suas “estórias” – Matéria publicada em 2011

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Entendemos que as praças públicas são tradicionais e que devem ser preservadas, a não ser quando há a necessidade premente de algum reparo.

Após muita relutância resolvi tecer comentários a respeito de assuntos que estão sempre em evidência em nossa cidade. No momento, o assunto da vez é a conturbada e agressiva reforma da Praça Central Gaudêncio Rincon Segóvia, que foi uma das mais belas de Goiás, onde o povo tinha o lazer nas mais lindas noites do Brasil Central.  Antes, quero aqui ressaltar que não sou especialista em história da cidade de Pires do Rio, pois a construção dessa praça remonta os idos de 1940, oportunidade em que eu ainda não havia vindo a esse mundo. Mas, da década de 60 pra cá tenho um certo conhecimento, o que me autoriza de uma certa forma falar a respeito.

Eu até que poderia ser um tanto quanto incisivo e contundente em minhas palavras, pois o assunto assim o exigiria. Mas, o bom senso e a experiência de vida rezam que eu seja um pouco mais moderado e comedido. No fundo a vontade que a gente tem é de criticar e responsabilizar os culpados pela descaracterização da praça ao longo dos anos.

A praça central sempre foi motivo de questiúnculas, discussões e problemas. Se observarmos as fotos que estão afixadas no prédio da Administração, já na década de 40 o primeiro coreto ali construído foi demolido. E na mesma década foi construído outro, porém sem muita mudança arquitetônica. Inclusive o traçado das vielas da praça continuou sendo o mesmo. Ainda na década de 50 esse coreto foi outra vez demolido e novamente construído outro, que ali permaneceu até o final da década acima citada.

Conforme afirmei acima não sou nenhum “expert” em história piresina e nem me atrevo a tanto. Mas tive a grata oportunidade de encontrar um jornal denominado NOSSA FOLHA (que os mais antigos devem se lembrar) e que publicou uma extensa e excelente matéria a respeito dessa praça desde os seus primórdios. Evidentemente que não vou transcrever todo o conteúdo, mas é impressionante como a matéria é atual.

É como se o autor a tivesse escrito nos dias de hoje. O periódico já não existe mais. O seu fundador foi o Sr. Jucelino Siqueira e o Diretor Editorial o Sr. Jacy Siqueira, importante poeta e escritor piresinos. Esse exemplar encontrado foi o de nº 2, ano I, datado de 15 de junho de 1990, Sexta-feira.

Já se vão longos anos e ao ler a matéria na pág. 3, habilmente redigida pelo renomado Jacy Siqueira, podemos notar que a praça central de nossa cidade sempre foi motivo de controvérsias. Com certeza os habitantes daquela época também não gostaram das modificações do coreto e da própria praça. O desgosto ainda persiste nos dias de hoje. Tem gente que está gostando e aplaudindo a reforma da praça, outros não. Há quem invoque a tradição, como é o meu caso. O escritor Jacy Siqueira, do alto de sua sapiência, registra os primórdios da construção da praça:

“… Nos primeiros tempos da cidade, Dª Rosalina Sampaio, mulher do fundador Lino Teixeira Sampaio, destinou a área para a construção de uma igreja de invocação de Nossa Senhora da Abadia, sua santa de fé. Aí chegou a ser construída uma capela, que por vários anos ficou inacabada e veio a ser demolida por iniciativa do Dr. Cavalcanti, o primeiro médico residente em Pires do Rio…Os tijolos retirados da extinta capela foram aproveitados num cemitério, que já não existe”.

Continuando: “… Quando assumiu a Prefeitura de Pires do Rio, o Dr. Joaquim Câmara Filho (1º/jun.1932-31/mar.1934) optou por construir um jardim público (como se dizia na época) na área doada por Dª Rosalina Sampaio para a Igreja. Assim começou a nascer à praça que por muitos anos foi denominada Marechal Floriano, hoje Praça Gaudêncio Rincon Segóvia, a principal e mais antiga da cidade de Pires do Rio.

Nos anos 40, sendo Prefeito Municipal o Dr. Taciano Gomes de Melo, a nossa praça foi toda cercada de arame farpado para que pudesse ser ajardinada. Foram plantadas as palmeiras, das quais poucas ainda existem, os “fícus” de folhas miúdas, as roseiras e grama e, quando aberta ao público, uma “dama da noite” deixava o seu perfume ir longe, atraindo as pessoas. Acompanhando o passeio, bancos retos e sem encosto sob as sombras das buganvílias e cercados por “fícus”, na área interna bancos com encostos, oferta dos comerciantes da época, que os mais velhos buscavam fugindo das tardes quentes do verão, distraídos em longas conversas.

Seguindo a transcrição da matéria, observem a manifestação poética do autor: “… Ali pelas 17 horas chegavam às mães com seus filhos e os pequenos corriam livres pela praça, vivendo a alegria do espaço pejado de verde, sombra e frescor, enquanto umas mulheres liam romances e outras conversavam por vezes se ouvia um grito de chamamento ou de chamada. Mais tarde, depois do jantar, as moças aos pares ou de três ou quatro, os braços dados, passeavam no sentido anti-horário e os rapazes aos grupos junto ao meio-fio ou nos bancos apreciavam as belas que passavam. Os flertes, os recados, os bilhetes e quantos namoros assim ali não principiaram? Quantos piresinos ali sentiram o despertar do amor, ali não sofreu por amor, roubado ou ganhado o primeiro beijo! Quantos namoros ali começados, quantos casamentos ali combinados!”

Ah! Que época romântica… Que saudade desse tempo que não volta mais. O passado e a saudade na verdade são fragmentos de vida por nós vividos e que perduram enquanto o sangue circular em nossas veias. Por tudo isso um filme passa em nossas mentes… A Churrascaria Varanda… O Cine Teatro Eleusis… Os bailes e “festocas” no Turunas da Mata… A mesma praça… O mesmo banco.

Dando continuidade, vejam o que o escritor Jacy Siqueira escreveu: “… Vieram os anos 60 e com ele uma febre estranha de duvidosa modernidade. Ao ronco e à violência de trator de esteira tombaram os “fícus”, foram arrancadas as buganvílias e várias palmeiras, retiraram os bancos que hoje algumas pessoas guardam com carinho, abriram-se crateras enormes e a praça parecia mais um campo de guerra que sofrera pesado bombardeio. Depois… depois cobriram tudo com um túmulo, como se túmulo encerrasse o passado. Os automóveis ganharam dois estacionamentos, mas o povo ficou sem o passeio. Na verdade o povo fugiu da praça porque sentiu que a cidade morreu um pouco, Pires do Rio ficou sem seu cartão de visita, perdeu sua carteira de identidade, desapareceu a mais bela Praça de quantas em Goiás existiam e ainda existem”.

A matéria do Sr. Jacy Siqueira ainda menciona fatos a respeito do começo da INVASÃO da praça por “pit-dogs” e banca de revistas, a respeito até de um “pit-dog” que virou um bar com televisão e que só faltava mictório para ficar completo. Fala também sobre a ação do Prefeito da época que, preocupado com o que se poderia tornar aquele local, determinou a retirada de todos os “pit-dogs”, boteco e banca de revistas, mas que no frigir dos ovos alguns vereadores impediram. O autor termina sua matéria perguntando, assim como perguntou o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade: “E agora, José?”.

Com essa “febre estranha de duvidosa modernidade” a atualidade dessas questões é impressionante. Ainda a pouco vimos não tratores de esteira, mas pás carregadeiras tentando demolir um dos poucos patrimônios históricos de nossa cidade, ou seja, o espelho d’água da fonte sonoro-luminosa, que ao ser visto do alto se parecia com o traçado do mapa do Estado de Goiás. Observamos também com indignação e tristeza a derrubada de várias árvores, algumas ali plantadas há muitos anos. Pouco a pouco, com o passar dos anos aquela época de romanticidade vai se definhando como uma planta que não é regada. A “dama da noite” não exala mais aquele perfume contagiante e quiçá poucos namoros ou poucos casamentos são ali combinados.

O quê vemos hoje? Brigas, desentendimentos, discussões, arrastões… Uma praça que está sendo reformada, mas que está sendo ao longo dos anos, DESCARACTERIZADA. A praça central está perdendo seu sentido mais amplo, ou seja, um local aprazível para descanso, conversas sóbrias, encontros. O espaço para os transeuntes vai sendo pouco a pouco adulterado, pois virou local para comércio. Aliás, esse tipo de coisa, como disse uma amiga minha já se tornou lugar comum na maioria das cidades. Hoje é impossível conter essas desmesuradas agressões.

Outro detalhe que observamos naquela praça é a diminuta arborização. O pouco que ainda restava está sendo gradativamente derrubado. Os motosserras têm desempenhado e bem o seu papel! O que se espera realmente é que o órgão responsável faça um replantio amplo, geral e irrestrito e o principal, com espécies de árvores adequadas para o local. Afinal, plantar é preciso. Outra coisa que se espera também tão logo a reforma seja concluída é a não autorização para eventos em que há a necessidade de se perfurar o calçamento.

Entendemos que as praças públicas são tradicionais e que devem ser preservadas, a não ser quando há a necessidade premente de algum reparo. Uma praça conhecida, a de Ipameri, sempre foi muito bem arborizada e que nunca foi alterada. O coreto lá ainda é o mesmo. A de Urutaí também sempre foi aquilo lá, inclusive o coreto. A praça principal de Catalão, na Av. 20 de Agosto, ainda é a mesma, com o mesmo traçado e o mesmo coreto. Isso sem mencionar outras praças da região. A nossa… coitada! Está pedindo socorro, pois volta e meia é agredida por reformas que só descaracterizam o local.

Mas, como piresinos que somos e que amamos essa terra, só nos restam esperar e desejar que a Praça Central Gaudêncio Rincon Segóvia (por falar nisso, por onde anda o busto do Sr. Gaudêncio?) que era uma das mais lindas de Goiás, volte a ser um lugar aprazível e onde a esperançosa população e as famílias piresinas tão carentes de diversão e opções de lazer, possam desfrutar da “alegria do espaço pejado de verde, sombra e frescor”, como disse o escritor Jacy Siqueira.

Por Paulo Roberto Silva.

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